terça-feira, 18 de janeiro de 2011

sex and violence.

amarrou os cadarços de seu sapato oxford, deu uma última olhada naquele quarto de aspecto antigo luxuosamente decorado, pegou na cômoda o maço de dinheiro que lhe cabia e abriu a porta, sem olhar para trás.

"ninguém nunca disse que esta história teria um final feliz, Valentina." despediu-se Alexander na noite anterior, com o ar zombeteiro de sempre.

o veludo verde do vestido contrastava furiosamente com os cachos vermelhos, a fina meia-calça preta com uma linha marcada atrás fazia destacar suas lindas pernas que agora se moviam determinadas para a saída; mesmo sendo dispensada, Valentina não deixava de dar o último adeus sem a elegância provocante que possuía. e assim atravessou aquele corredor comprido, repassando tudo o que ultimamente havia acontecido.

assim; ambos cansaram.
Alexander cansou porque, bem, ele sempre se cansa; ele sempre chega no ponto onde tem que escolher entre o tédio ou o amor profundo. e não seria com Valentina que ele tomaria a decisão de ir pelo caminho nobre. somente cumpriu com o papel que havia lhe sido determinado desde o início: só bagunçar mais ainda o lixo todo. e ele se despede assim mesmo, pisando, esnobando e gargalhando, finalmente terminando de jogar na cara do mundo que os egocêntricos sempre saem bem de tudo, na verdade.

e ela, ela só cansou de dar murro em ponta de faca. não adiantava. James e Valentina eram diferentes demais, nem mesmo se sabe ao certo como foi mesmo que eles conseguiram se encontrar; um descuido do destino, uma perversidade do acaso. Valentina o amava, mais que qualquer coisa. só que agora, neste exato momento, ela enxergava o quão inútil era sentir aquilo. inútil, dispensável e totalmente insustentável. se ela realmente não quisesse desaparecer com sua própria existência, ela tinha que dar às costas. tardiamente, sem dúvida; mas simplesmente se levantando e seguindo em frente.
isto mesmo; fazendo de conta que tudo aquilo dentro do peito era inexistente agora, vestindo todo aquele amor incurável num capricho mal-fadado. e não confundamos sobrevivência com mania de superioridade; é tudo um circo de fingimentos, um espetáculo de mentiras ? pois ótimo, ela seria a melhor, para o seu próprio bem, apenas.
não doía. toda a sensibilidade para as feridas que tinha dentro de si já havia sido destruída pelo infindável egoísmo de James. não doía ser hipócrita agora, era até mais fácil; jogando veneno em toda a fertilidade que o seu coração ainda possuía, Valentina ia embora fingindo desprezo, apenas esperando calma e friamente que todo aquele amor somente apodrecesse no final.
um final descaradamente inapropriado. mas final, enfim.

chegando no fim do corredor, mirou a porta que dava exatamente para a frente da escada; o quarto de James. sendo posto pra fora de casa por Aileen, sua ex-mulher agora, ele correu para a mansão dos pais já falecidos, que servia de exatamente isto: refúgio dos dois filhos que se odiavam; e dormindo profundamente na antiga cama dele, nem reparou que Valentina abria a porta do quarto, olhava-o atentamente por instantes, procurava por um papel na escrivaninha bagunçada e empoeirada, e se punha a registrar seus garranchos grandes e largos num adeus.

desceu as escadas, pisou firme no tapete, se encarou no grande espelho dali, ajeitou o cabelo e girou a maçaneta da porta.

Valentina se foi.




com um raio de sol batendo na cara, James protegeu o rosto com a mão e tentou virar pro lado e continuar a dormir, mas não tinha mais jeito; o cérebro já começou a raciocinar loucamente. sem casa nem esposa, tendo como companhia somente a ressaca familiar dos destilados que andava botando pra dentro, ele abriu os olhos e encarou o teto. num suspiro, jogou o edredom pro lado e saiu da cama, pra que viesse toda a dor de cabeça logo de uma vez, literal e figuradamente; mas no movimento que fizera com as cobertas, viu um papel sair voando e pousar no chão, do outro lado da cama. James deu a volta e pegou o bilhete.

reconhecendo a letra antes mesmo de ter o papel nas mãos, ele riu e já foi abrindo a porta, desejando ardentemente somente um copo d'água; chegou na cozinha e sentiu o azulejo frio castigando os pés até então quentes. bebeu sua água e iniciou um devaneio fora de hora.

Valentina. não neguemos, só pelo nome já era um acontecimento; dos grandiosos, vamos concordar. mesmo que se esqueça rapidamente depois, quando ela invadia a vida de alguém causava uma bagunça infernal; gritava, esperneava, dramatizava. a intensidade com que tratava tudo fazia ela marcar em qualquer memória até das mais esquecidas; uma menininha temperamental que arrasava com os corações mais sem vida. pensando bem, não bagunça infernal, mas o próprio inferno em si, queimando com o controle de todos com aqueles cachos cor de fogo. e nunca valendo o chão que pisava; imprevisível, James nunca soube realmente o que se passava na cabeça dela, se todo aquele sentimento à flor da pele era falsidade ou crise bipolar. sempre muito diferente dele; era sentimento demais num serzinho só. ela cobrava coisa que simplesmente não existia nele. amor ? compreensão ? carinho ? sinceramente, ele nem sabia direito o significado de tudo isto; imagina saber o gosto, então.
impossível; só... inviável. James não a amava e nunca conseguiria o fazer. depois de passada a explosão que era a novidade Valentina, ele não via mais porquê continuar ali; e simplesmente se foi, num ato natural e espontâneo. ele era assim e ninguém o faria mudar.

e assim seria.
James permaneceria do jeito que sempre fora, indiferente, frio, orgulhoso, sem nem mesmo tomar ciência do que significava ser assim e suas consequências; conseguindo só rir, num ato de ignorância pura e profunda.

ignorância, pois ele nunca chegaria a saber o que exatamente significava as últimas palavras de Valentina gravadas num papel velho que depois foi amassado e jogado no lixo; da mesma forma que todo o importar dela com ele foi desprezado. um importar que ela derradeiramente o deixou, não numa tentativa de no último segundo fazer ele enxergar tudo, mas de desabafo simplesmente, num bilhete escrito assim, "você jamais encontrará alguém no mundo que te ame mais como eu te amei."

é.
e, roubando as palavras de Alexander, ninguém nunca aqui falou que o final desta história seria recompensador e feliz.




toda a necessidade que senti de por toda esta sujeira para fora numa forma requintada, usando da nossa antiga realidade e da minha senil ilusão, talvez até me escondendo atrás dos já mencionados alter-egos, somente numa tentativa de mostrar-lhe que o que doeu pode ficar interessante diante de olhos alheios, afinal.

5 comentários:

Mariana Cotrim disse...

e esse final? :( MATOOU!
acho que de todos esse foi o mais explícito e o mais foda!

Marcelo R. Rezende disse...

Valentina sempre fora afoita, querendo o mundo em segundos, querendo uma vida em minutos, não dando o tempo necessário para serem construídos. Em contrapartida, James foi amado demais, talvez por isso a repulsão pelo apego, somado, claro, a falta de sensibilidade. Um amor que nunca daria certo. ALiás, deu sim, quando se separaram.

Beijo, sua linda.

Ju Fuzetto disse...

Sensacional!!
O amor tem lá suas consequências...
beijocas

Carool Alves disse...

muito bom linda !

faz uma visita ?
www.cinzaas.blogspot.com

Nina Auras disse...

Nossa, achei muito bom. De verdade. Muito interessante, gostei muito, e esse final foi... No mínimo diferente. Adorei.